Você já ouviu falar da Lei Magnitsky ou de como os Estados Unidos da América pode sancionar por violações de direitos humanos e corrupção?
Oficialmente intitulada de Lei de Responsabilidade de Direitos Humanos Globais Magnitsky, ou Global Magnitsky Human Rights Accountability Act, é uma norma que constitui um instrumento jurídico pela qual autoriza o governo norte-americano a aplicar sanções direcionadas a indivíduos e entidades localizadas fora de sua jurisdição.
Sua origem remonta ao caso de Sergei Magnitsky, advogado e auditor fiscal em Moscou, que foi preso em 2008 após denunciar um esquema de corrupção envolvendo mais de 230 milhões de dólares, perpetrado por autoridades fiscais russas e fundos vinculados ao Hermitage Fund. Em 2007, um grupo de funcionários do Ministério do Interior havia se apropriado de forma fraudulenta de três empresas do Hermitage Capital, resultando no desvio de recursos públicos. Enquanto a maior parte da equipe do fundo se refugiou no exterior, Sergei permaneceu na capital e conseguiu investigar a trama. No entanto, como forma de retaliação, foi detido sob condições abusivas, incluindo agressões físicas, negação de cuidados médicos e visitas familiares, vindo a falecer em novembro de 2009.
O episódio expôs graves violações de direitos humanos e evidenciou falhas no sistema de responsabilização estatal. Em resposta, o Congresso estadunidense aprovou, em 2012, durante o governo do então presidente Barack Obama, a Lei Magnitsky original, destinada a punir autoridades russas, cujo alcance se restringia ao contexto daquele país. Posteriormente, a legislação foi globalizada em 2016 e incorporada ao Título XII, Subtítulo F da Lei de Autorização de Defesa Nacional de 2017 (P.L. 114-328), ampliando significativamente seu alcance extraterritorial. Assim, tornou-se possível aplicar medidas punitivas a indivíduos e entidades, independentemente de sua nacionalidade ou do país de origem em que tenham praticado suas condutas, substituindo restrições setoriais amplas por ações direcionadas a alvos específicos.
O reforço institucional ocorreu com a promulgação da Ordem Executiva 13818, em dezembro de 2017, assinada pelo presidente Donald Trump, que declarou que os abusos de direitos humanos e a corrupção em escala global representavam uma “ameaça incomum e extraordinária” à segurança nacional, à política externa e à economia dos Estados Unidos. Com base nessa declaração, passaram a ser invocados os poderes previstos no International Emergency Economic Powers Act (IEEPA), que autoriza o Presidente a impor sanções econômicas e financeiras em situações de emergência que ameacem a segurança nacional ou a política externa, e no National Emergencies Act (NEA), que estabelece o procedimento legal para declarar formalmente um estado de emergência nacional e delimitar os poderes que podem ser exercidos nesse contexto.
A medida envolve coordenação entre o Departamento do Tesouro, por meio do Office of Foreign Assets Control (OFAC), o Departamento de Estado e o Departamento de Justiça. No que tange às sanções impostas, estas apresentam variações, mas concentram-se em duas frentes principais: a primeira consiste no congelamento de bens e interesses sob jurisdição norte-americana, acompanhado da proibição de realizar transações com cidadãos ou empresas situadas nos Estados Unidos; a segunda abrange restrições migratórias, que tornam os indivíduos inelegíveis à obtenção de vistos ou entrada no território estadunidense.
Nesse retrospecto, a aplicação da lei tem sido observada em diversos países. Entre os casos relacionados a direitos humanos destacam-se sanções impostas a empresas e embarcações envolvidas em trabalho forçado na China em 2022, a designação de Apollo Quiboloy nas Filipinas por tráfico sexual e abuso de menores, a imposição de sanções na Rússia a indivíduos ligados à detenção arbitrária de Vladimir Kara-Murza e medidas contra autoridades na Gâmbia, na Arábia Saudita e na China por abusos, incluindo tortura, assassinato e repressão a minorias.
No campo da corrupção, a lei também tem sido aplicada de forma rigorosa. Em Camboja, empresários e militares foram sancionados por exploração madeireira ilegal. Na República Democrática do Congo, Dan Gertler e sua rede foram sancionados por negócios corruptos envolvendo mineração e petróleo. Na Letônia, Aivars Lembergs recebeu sanções por lavagem de dinheiro e abuso de poder, com efeitos concretos sobre a gestão de entidades sob seu controle.
Sob a ótica do cenário brasileiro, ao sancionar o Ministro do STF Alexandre de Moraes, o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos acusou o magistrado de restringir a liberdade de expressão e demandar “prisões arbitrárias”, citando o julgamento da tentativa de golpe de Estado e decisões envolvendo redes sociais. O Secretário do Tesouro, Scott Bessent, afirmou que Moraes teria conduzido uma ação de censura opressiva, promovido detenções arbitrárias em violação de direitos humanos e conduzido processos com motivação política, incluindo casos contra o ex-presidente Jair Bolsonaro. Bessent ressaltou ainda que “a ação de hoje deixa claro que o Tesouro continuará a responsabilizar aqueles que ameaçam os interesses dos EUA e as liberdades de nossos cidadãos”. Na prática, a medida proíbe que qualquer cidadão, empresa ou organização com negócios no território estadunidense forneça serviços ao ministro.
Embora a lei possua um evidente apelo moral, ao buscar punir crimes de grande gravidade, sua aplicação levanta debates relevantes sobre a soberania nacional. A Constituição estabelece como princípios das relações internacionais a independência nacional e a não intervenção, impedindo que sanções estrangeiras tenham efeito automático no território brasileiro.
Esse cenário revela o dilema enfrentado por empresas e instituições financeiras: de um lado, o dever de observar a legislação interna; de outro, a necessidade de evitar restrições e represálias no acesso ao sistema financeiro global, fortemente centralizado no dólar e em instituições norte-americanas.
Por Manoela Muniz de Almeida
Referências:
HARDING, Luke. Who was Sergei Magnitsky and how did UK sanctions come about? The Guardian, 2020. Disponível em: https://www.theguardian.com/politics/2020/jul/06/who-was-sergei-magnitsky-and-how-did-uk-sanctions-come-about.
Human Rights First. U.S. Global Magnitsky Sanctions, 2023. Disponível em: https://humanrightsfirst.org/library/u-s-global-magnitsky-sanctions/.
Magnitsky Human Rights Accountability Act. Human Rights and Anti-Corruption Sanctions: The Global Magnitsky Human Rights Accountability Act [Relatório do Congressional Research Service], 2025. Congresso dos Estados Unidos, IF10576. Disponível em: https://www.congress.gov/crs-product/IF10576.
MARTINIUK, Viviane Cristina. Lei Magnitsky e a soberania nacional: análise jurídica de um cenário hipotético de sanção à autoridade brasileira. Aurum Revista Multidisciplinar, Curitiba, 2025. Disponível em: https://aurumpublicacoes.com/index.php/MA/article/view/253.
NASCIMENTO, Luciano. Entenda a Lei Magnitsky aplicada pelos EUA contra Alexandre de Moraes. Agência Brasil, 2025. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2025-07/entenda-lei-magnitsky-aplicada-pelos-eua-contra-alexandre-de-moraes.
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