Em tempos de retrocessos, discursos de ódio e tentativas de apagamento, o mês do Orgulho não é só festa: é também memória, resistência e um lembrete de que existimos, e não vamos embora.
Junho começa com cores nas vitrines, filtros no Instagram, campanhas publicitárias com casais felizes e arco-íris por toda parte. Mas a pergunta que ecoa entre os corredores das universidades, nos vagões dos trens, nos palcos das paradas e nos becos das cidades é uma só: orgulho de quê? Por que, ainda em 2025, precisamos de um mês do Orgulho LGBT+?
A resposta é simples, e ao mesmo tempo, imensa: porque ainda estamos vivos. Porque ainda somos alvos. Porque ainda resistimos. E porque ninguém mais vai contar nossas histórias para nós.

Uma história que começou em briga
O dia 28 de junho de 1969 marca o levante de Stonewall, em Nova York. Travestis e mulheres trans, majoritariamente negras e latinas, enfrentaram a polícia durante uma batida no bar Stonewall Inn, no bairro de Greenwich Village. Aquilo que parecia mais uma noite de violência virou história: dias de protestos e uma fagulha que acendeu o movimento moderno de direitos LGBT+. Aquilo foi o “basta” de uma comunidade acostumada a apanhar calada. Da revolta, nasceu o orgulho.
Hoje, mais de 50 anos depois, o mês de junho virou um marco global de resistência e visibilidade para a comunidade LGBT+. No entanto, no Brasil, esse orgulho carrega um peso que vai além da celebração: ele é escudo, armadura, e ao mesmo tempo, uma flor no peito de quem caminha em um campo minado.

O Brasil ainda é o país que mais mata pessoas LGBT+ no mundo
Não é slogan, é dado. Segundo o relatório anual do Grupo Gay da Bahia (GGB), em 2024 foram registrados mais de 250 assassinatos de pessoas LGBT+, com destaque para pessoas trans, especialmente travestis e mulheres trans negras. E isso são apenas os casos notificados. A subnotificação é uma realidade gritante.
Além dos assassinatos, o Brasil lidera também as taxas de evasão escolar entre jovens LGBT+, especialmente os que se assumem durante o ensino médio. A violência institucional, a rejeição familiar e o bullying escolar são responsáveis por afastar milhares de estudantes da sala de aula, e, muitas vezes, de uma vida segura.

E então a gente pergunta: cadê o orgulho nisso tudo?
Ele está nos corpos que continuam ocupando as ruas. Está nas travestis que viram professoras universitárias, nas mães que acolhem os filhos LGBT+ com amor e respeito, nos casais que se amam apesar do medo, nas pessoas trans que conseguem retificar seus nomes e construir suas carreiras. Está nos estudantes que fazem da universidade um território de luta, mesmo quando ela ainda é hostil.

Universidades, armários e trincheiras
A universidade, muitas vezes, é vista como um espaço de liberdade, debate e pluralidade. Mas essa não é a realidade para todos. Cursos como Direito, Engenharia, Economia ou Teologia ainda são dominados por uma cultura conservadora, cisheteronormativa, machista e, por vezes, cruel.
Quantos estudantes LGBT+ você conhece que saíram do armário só depois de entrar na faculdade? E quantos continuam se escondendo mesmo dentro dela? O medo da rejeição, da discriminação velada ou explícita, da perda de oportunidades acadêmicas ou profissionais, ainda limita muitas trajetórias.
Em contrapartida, coletivos estudantis LGBT+, centros acadêmicos engajados, campanhas de conscientização e jornais universitários comprometidos com a diversidade têm sido instrumentos poderosos de resistência. É nesses espaços que se constrói uma outra universidade: mais diversa, mais aberta, mais viva.

Pink money, arco-íris no logo e o risco da superficialidade
Junho é também o mês em que muitas empresas lembram (convenientemente) da comunidade LGBT+. Muda o logo, posta uma arte colorida, vende camiseta, faz marketing de “diversidade”… Mas e o resto do ano? Quantas dessas empresas empregam pessoas trans? Quantas têm políticas reais de inclusão? Quantas agem quando um funcionário sofre LGBTfobia?
A luta contra o chamado “pinkwashing”, quando marcas se apropriam da pauta LGBT+ apenas para lucro e imagem, é parte da resistência atual. O orgulho não pode ser apenas estética. Ele é, acima de tudo, política.

Não é só sobre amor: é sobre direito de existir
É comum ver campanhas que dizem “amor é amor”, e, de fato, é. Mas reduzir a pauta LGBT+ ao direito de amar quem quiser é despolitizar uma luta complexa, que envolve questões de identidade, território, raça, classe, acesso à saúde, educação e segurança.
Pessoas trans, por exemplo, continuam sendo vítimas de uma violência estrutural e cotidiana. A expectativa de vida de uma travesti no Brasil é de apenas 35 anos. Pessoas bissexuais vivem o apagamento dentro e fora da comunidade. Pessoas intersexo ainda enfrentam mutilações cirúrgicas sem consentimento. Pessoas não-binárias não têm reconhecimento legal. E a lista continua.

Ser LGBT+ não é só sobre o amor. É sobre o direito de existir plenamente.
Cuidar uns dos outros: a revolução da ternura
Diante de tudo isso, o cuidado se torna um ato político. Acolher, ouvir, proteger, abrir espaço, corrigir erros, ceder o microfone, construir redes de apoio, tudo isso é parte da luta.
Grupos de acolhimento, redes de psicólogos e médicos LGBT+, espaços culturais, festas feitas por e para a comunidade, mutirões para retificação de nome, vaquinhas para ajudar pessoas em situação de vulnerabilidade… são nesses lugares que se constrói o que o sistema tenta destruir.
E é nesses espaços que floresce algo ainda mais poderoso: alegria. Porque, apesar de tudo, resistimos dançando, rindo, criando, amando. O orgulho também é sobre celebrar quem somos, com todas as cores, todas as nuances, todos os brilhos.

E o futuro?
O futuro do orgulho depende de muitos fatores: de políticas públicas, de combate ao discurso de ódio, de mudanças estruturais. Mas também depende da gente. De cada gesto, cada palavra, cada dor coletiva.
Depende das escolas que escolhem educar com respeito. Das famílias que decidem amar seus filhos como são. Dos professores que se posicionam. Dos alunos que se levantam. Dos artistas que não se calam. Dos jornalistas que contam nossas histórias com verdade e sensibilidade. Da sociedade inteira se comprometendo com a vida, com todas as vidas.

Conclusão: orgulho é verbo
O orgulho LGBT+ não é só uma data no calendário. É um estado de espírito. Uma prática diária. Uma resposta política. Uma esperança viva.
É sobre erguer a cabeça quando o mundo quer te dobrar.
É sobre amar-se num sistema que lhe ensinou a odiar-se.
É sobre dançar no meio do tiroteio.
É sobre construir futuro com as próprias mãos.
Não é fácil. Mas é possível. E é lindo.

Fontes:
- Grupo Gay da Bahia (Relatório 2024)
- ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais)
- IBGE e Instituto Sou da Paz
- Coletivos universitários e depoimentos anônimos de estudantes LGBT+
Publicado/Escrito/Desenhado/Editado por Bruno M.Z.A.S.B.C.
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