No dia 29 de junho, os céus parecem falar mais alto. O som do trovão ecoa como um tambor ancestral, anunciando a presença daquele que carrega o machado da justiça, o fogo da transformação e a coroa dos reis: Xangô, o orixá do raio, do fogo, da inteligência e do equilíbrio. É nesta data que terreiros, filhos de santo e admiradores de matriz africana celebram, com força e reverência, a energia majestosa daquele que é o senhor do poder e da retidão, patrono dos julgamentos e guardião dos destinos.
Para quem é de Xangô, o 29 de junho não é apenas um dia simbólico no calendário, é um chamado direto ao ori (a cabeça, o espírito, a consciência). É reconhecer que dentro de si mora o trono de um rei que não aceita injustiças, que não abaixa a cabeça, mas que sabe a hora exata de falar, agir e silenciar. Ser de Xangô é carregar dentro de si a balança da justiça e o fogo do mundo.
QUEM É XANGÔ?
Xangô é um dos orixás mais respeitados do panteão iorubá. Rei de Oyó, na Nigéria, é lembrado como um governante imponente, sábio e temido. Mas Xangô é mais do que um rei terreno: ele é a divindade que representa a justiça, o discernimento e o poder do fogo e do trovão.
Na mitologia iorubá, ele é filho de Oranian e descendente direto de Oduduwá, figura ancestral da fundação do povo iorubá. É casado com três orixás poderosas: Oyá, senhora dos ventos e das tempestades; Oxum, dona das águas doces e da sedução; e Obá, orixá guerreira e da fidelidade.
Xangô é fogo e autoridade. Seu símbolo é o Oxê, machado duplo que representa a justiça e a imparcialidade. Seus elementos são o fogo, o trovão e as pedras, e sua cor é o vermelho com branco ou marrom com branco, dependendo da tradição da casa. Ele é a força que se impõe, mas que nunca é cega: Xangô pesa antes de julgar.
POR QUE 29 DE JUNHO?
Assim como outros orixás, Xangô foi sincretizado durante a diáspora africana, quando os povos escravizados trouxeram suas crenças para o Brasil, e foram obrigados a ocultá-las sob imagens católicas.
Xangô foi associado a São Pedro, santo católico também ligado à autoridade, às chaves do céu e ao poder de decidir quem entra ou não no Reino dos Céus. Assim como Xangô, São Pedro é representado como um senhor de autoridade firme, que comanda os elementos, afinal, dizem que é ele quem “fecha e abre o tempo”.
Por isso, o dia 29 de junho, Dia de São Pedro, tornou-se também o Dia de Xangô nos cultos afro-brasileiros.
OS FUNDAMENTOS DE XANGÔ
Xangô rege os tribunais espirituais. Quando há desequilíbrio, injustiça, mentira, traição ou opressão, é a ele que se recorre. Ele não tolera falsidade e não protege quem mente para se beneficiar. Ele é o orixá que defende quem foi injustiçado e cobra com força quem usa o poder de forma indevida.
Em rituais, Xangô é invocado com cantos fortes e imponentes, pedindo que seu raio desça para cortar as injustiças do mundo. Suas oferendas costumam incluir amalás (quiabo com dendê), carurus, frutas como maçã e banana-da-terra, cerveja escura, mel e fogo.
Ele também é cultuado como um orixá de poder e razão, associado a advogados, juízes, professores e todas as pessoas que buscam ou aplicam justiça. Ele é o orixá dos grandes pensadores, dos estrategistas e dos líderes que têm o dom da palavra.
QUANDO ELE É DONO DA CABEÇA
Ser de Xangô é caminhar com um peso e uma honra únicos. O filho de Xangô carrega um senso inato de justiça, mas também uma exigência elevada consigo e com os outros. É alguém que sente o fogo arder no peito diante de qualquer desrespeito, mas que também sabe controlar a chama para não queimar quem não merece.
A cabeça regida por Xangô é muitas vezes firme, teimosa, mas profundamente sábia. Quem tem Xangô no ori tem sede de equilíbrio e coragem para encarar os conflitos, seja em nome dos outros ou de si mesmo. Sente no corpo a responsabilidade de manter o que é justo, mesmo quando isso significa lutar contra tudo e todos.
E, ainda que seja um orixá do fogo, Xangô também ensina a paciência do julgamento, o silêncio do sábio, o olhar que vê antes de agir. Porque seu trovão não é só força: é voz divina que ressoa para restaurar o que foi partido.
COMO CELEBRAR XANGÔ
No dia 29 de junho, os filhos de Xangô (e todos que o respeitam) podem preparar sua oferenda com carinho. Um amalá de quiabo cortado em rodelas finas, cozido com azeite de dendê, pode ser oferecido em uma gamela de madeira, junto com velas vermelhas e brancas, e frutas doces.
O importante é que tudo seja feito com verdade no coração, porque Xangô não aceita hipocrisia. Ele aceita a dor, o erro, o choro, mas não o fingimento.
Alguns tocam atabaques, cantam seus pontos, acendem velas ao pé de pedras ou sob árvores frondosas. Outros, simplesmente, se recolhem e oram em silêncio, pedindo força para julgar com sabedoria, falar com coragem e agir com justiça.
O REI ESTÁ NA ENCRUZILHADA DA ALMA
Xangô não é um orixá distante. Ele mora dentro da cabeça de quem pensa com verdade, de quem age com integridade. Ele se manifesta no gesto de quem denuncia uma injustiça, no olhar de quem defende os que sofrem, no braço de quem levanta a própria voz diante da opressão.
No Brasil de hoje, ainda tão marcado por desigualdade, racismo e silenciamentos, o culto a Xangô é também um ato político e espiritual de resistência. É dizer: “Eu não aceito a injustiça como destino. Eu luto por equilíbrio. Eu sou parte do fogo que transforma.”
Por isso, no 29 de junho, quando os trovões ecoaram, preste atenção: pode ser o rei saudando seu povo.
Kaô Kabiesilé, Xangô!
Salve o rei, salve o machado, salve o orixá da sua cabeça.
GLOSSÁRIO
- Ori: cabeça espiritual de cada pessoa; o destino e a essência individual.
- Kaô Kabiesilé: saudação a Xangô, que pode ser entendida como “Rei que clama por justiça, eu me curvo ao seu poder.”
- Oxê: machado duplo, símbolo de Xangô.
- Amalá: comida ritual de Xangô, feita à base de quiabo e dendê.
- Babalorixá/Yalorixá: pai/mãe de santo; líder religioso em religiões de Matriz Africana
- Sincretismo: fusão ou adaptação entre elementos de diferentes religiões.
- Xirê: roda de cantos e danças para os orixás.
Trovejou lá no céu e o mundo balanceou
Trovejou lá no céu e o mundo balanceou
Oh Cristo, o mundo balanceou
Oh Cristo, o mundo balanceou
Só não balanceou a coroa de Xangô
Só não balanceou a coroa de Xangô
Publicado/Desenhado/Editado/Escrito por Bruno M.Z.A S.B. de Castro
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