Dia dos Pretos Velhos: Fé, Resistência e Ancestralidade – 13 de Maio

No dia 13 de maio, enquanto o calendário oficial marca a assinatura da Lei Áurea, documento que “aboliu oficialmente” a escravidão no Brasil em 1888, os terreiros de Umbanda e diversas manifestações das religiões de matriz africana celebram uma das entidades mais respeitadas e reverenciadas de sua cosmologia: os Pretos Velhos.

A data, embora marcada historicamente por um gesto tardio do império brasileiro, ganha novas camadas de significado nas comunidades afro-brasileiras e nos espaços de fé, sendo resignificada como um momento de honra à ancestralidade negra, à sabedoria e à força espiritual dos que sobreviveram à dor da escravidão e ainda assim semearam esperança, cura e conhecimento.

Quem são os Pretos Velhos?

Na Umbanda, os Pretos Velhos são entidades espirituais que se manifestam como velhos e velhas negras, geralmente com linguagem simples, fala mansa, corpo encurvado e olhar cheio de ternura. Representam os espíritos dos antigos escravizados que, mesmo após uma vida de sofrimento, escolheram retornar à Terra pela caridade e pela cura.

Apesar da aparência frágil, os Pretos Velhos são guias de imensa força espiritual. São curadores, conselheiros, rezadores e verdadeiros doutores da alma. Eles trazem benzimentos com ervas, palavras sábias e gestos lentos, mas potentes. Incorporam o arquétipo da paciência, do acolhimento e da resistência, e são um dos maiores símbolos de ancestralidade espiritual dentro das religiões afro-brasileiras.

Fundamento Espiritual

O culto aos Pretos Velhos é uma das manifestações mais singulares da Umbanda, religião brasileira nascida do encontro entre o catolicismo popular, o espiritismo kardecista, o candomblé e outras práticas indígenas e afrodescendentes. Eles não aparecem nas religiões africanas em sua origem, como o candomblé ou a santeria, mas são frutos do processo de sincretismo religioso no Brasil.

Dentro da Umbanda, os Pretos Velhos trabalham nas linhas da caridade, ligados às forças de Oxalá (Orixá da paz, do tempo e da criação) e, em alguns casos, também a Omulu (Orixá da cura e das doenças). Sua ligação com a terra é profunda: trabalham com o poder das plantas, do chão, da fumaça do cachimbo, da água e, especialmente, da palavra.

Com nomes como Vovó Maria Conga, Vovô Benedito, Pai Joaquim, Vovó Cambinda, entre tantos outros, esses espíritos manifestam sabedoria milenar e representam não só a figura do ancião, mas também a memória coletiva do povo negro no Brasil.

13 de maio: A Luta Continua

Oficialmente, o 13 de maio de 1888 é lembrado como o dia em que a princesa Isabel assinou a Lei Áurea, abolindo a escravidão. No entanto, esse marco legal não trouxe políticas de reparação, inclusão ou suporte à população negra recém-liberta. Sem acesso a terra, educação, moradia ou qualquer forma de inserção digna na sociedade, os negros foram lançados à marginalização, à pobreza e à violência estrutural, herança que ainda se reflete nos dias de hoje.

É por isso que muitos movimentos sociais e lideranças negras não celebram o 13 de maio como um “dia da liberdade”, mas como um lembrete da omissão do Estado e da continuidade do racismo institucional.

No entanto, nos terreiros, o 13 de maio é ressignificado com outro sentido: é o dia da força espiritual dos Pretos Velhos. Um dia de oração, de feitura de café, fumo e pipoca em honra aos que vieram antes. Um dia de silêncio e sabedoria. Um dia de memória ancestral e resistência.

Importância Cultural e Simbólica

Celebrar o Dia dos Pretos Velhos é valorizar o saber popular, as raízes africanas que sustentam boa parte da identidade cultural brasileira e reconhecer os legados espirituais que resistiram ao apagamento.

Numa sociedade marcada pela juventude como símbolo de poder e produtividade, os Pretos Velhos ensinam que o tempo é mestre, que o cuidado vem do afeto e que o conhecimento não está apenas nos livros, mas na escuta, na experiência e na conexão com a natureza.

Além disso, essas entidades representam a potência da resistência negra no Brasil. São símbolos de resiliência, de fé e de transformação. Nos terreiros, ensinam que a dor pode virar reza, que o sofrimento pode virar sabedoria e que a opressão pode ser transmutada em cura.

Como é celebrada essa data nos terreiros?

Em muitas casas de Umbanda, o 13 de maio é dia de gira dos Pretos Velhos. Os médiuns vestem branco, usam lenços na cabeça, saias ou calças largas e caminham descalços para representar a simplicidade. É servido café, bolo de fubá, angu, rapadura, pipoca e fumo. As giras são mais calmas, com pontos cantados cheios de emoção e saudade. Há benzimentos, passes, defumações e conselhos.

É comum ouvir frases como “ô meu filho, calma que tudo se ajeita” ou “a dor também ensina”, ditas por essas entidades com profundo carinho. O terreiro vira casa de vó: cheio de cheiros, acolhimento e fé.

Pretos Velhos na sociedade: Legado e Resistência

Os Pretos Velhos são mais do que símbolos religiosos: são expressões culturais e políticas. São o grito silencioso de um povo que sofreu, mas não foi vencido. Representam a sabedoria que sobreviveu à tentativa de apagamento, à violência, ao preconceito, e que segue viva na fé de milhões de brasileiros.

Eles nos lembram de onde viemos, o quanto devemos honrar nossos ancestrais e o quanto ainda há a ser feito. Celebrar os Pretos Velhos é, também, olhar para o Brasil de hoje e reconhecer o racismo que ainda mata, exclui e marginaliza. É fazer da espiritualidade um espaço de resistência e de cura coletiva.

Conclusão

O Dia dos Pretos Velhos é um convite à escuta profunda, à gratidão pelos saberes que atravessaram séculos e chegaram até nós. É um chamado à reflexão sobre as marcas da escravidão ainda presentes na sociedade brasileira e sobre o papel da espiritualidade na preservação da identidade negra.

Em cada ponto cantado, em cada benzeção, em cada vela acesa aos pés de um Preto Velho, ecoa uma história de dor que virou sabedoria. Porque, como dizem nos terreiros: “o negro foi escravizado, mas sua alma nunca se curvou”.

“No tempo do cativeiro
Quando o senhor me batia
Eu rezava por nossa senhora, meu Deus!
Como as pancadas doíam

Trabalhava na lavoura
No açúcar e no ‘cinzal’
Nego era chicoteado
No velho tronco de pau
Quando cheguei na Bahia
A capoeira me libertou
E até hoje ainda me lembro
Das ordens do meu senhor

Trabalha negro, negro trabalha
Trabalha negro pra não apanhar”

Axé aos Pretos Velhos. Saravá aos nossos ancestrais. Adorei às Almas!

Publicado por  Bruno M. Z.A.S.B. de Castro

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