No panteão iorubá e nas religiões afro-brasileiras, Ogum não é apenas o guerreiro destemido que empunha uma espada flamejante: ele é o princípio do movimento, da conquista e da transformação. É o Senhor dos Caminhos, aquele que chegou antes de todos, abrindo passagem com o ferro e moldando com suas mãos os instrumentos do mundo.
Em 23 de abril, Ogum é celebrado em todo o Brasil, nos terreiros de Umbanda e Candomblé, mas também nas ruas, igrejas, praças, tatuagens, orações silenciosas e lutas cotidianas. Sua figura é sincrética, ancestral e atual. Ogum é o símbolo de quem não se rende. De quem segue, mesmo ferido. De quem luta por si e pelos outros.
Ogum no Mundo Iorubá: O Começo de Tudo
Na tradição iorubá, Ogum é o Orixá do ferro, da metalurgia, da guerra e da tecnologia. Ele é o responsável por trazer o conhecimento do ferro à humanidade, ensinando os homens a construir ferramentas, armas e utensílios para transformar a natureza.
Sua história começa muito antes da chegada dos Orixás à Terra. Segundo os mitos, quando os deuses tentaram descer do Orum (mundo espiritual) para o Aiyê (mundo material), encontraram a mata fechada. Nenhum deles conseguiu abrir passagem. Ogum, com sua espada de ferro, foi quem desbravou a floresta e permitiu que os demais Orixás habitassem o mundo.
Ogum, portanto, é o primeiro. É o desbravador. É aquele que corta o impossível.
O Caminho de Ogum até o Brasil
Com o tráfico transatlântico de pessoas escravizadas, Ogum foi trazido pelos povos yorubás para as Américas, junto com outros Orixás. No Brasil, Ogum se estabeleceu com força nas religiões de matriz africana, especialmente no Candomblé e na Umbanda, onde foi ressignificado, mas não apagado.
Para escapar da perseguição religiosa e da catequese forçada, Ogum foi sincretizado com São Jorge, o santo guerreiro do catolicismo, cuja iconografia (espada, armadura, cavalo branco…) evocava os mesmos arquétipos de força, coragem e combate.
Mas mesmo sob esse disfarce, Ogum sempre foi Ogum.
Ogum e a Justiça
Ogum é considerado o patrono da justiça, sobretudo da justiça popular e dos que não têm voz. Quando se busca clareza, quando se quer proteger alguém que está sendo injustiçado, é ele quem se chama.
Ele não atua com “meias-palavras”: Ogum é direto, incisivo, implacável com a injustiça. Ele corta aquilo que nos atrasa, que nos prende, que nos engana. É símbolo da honra, da ética e da verdade.
No Brasil, onde os sistemas legais muitas vezes falham em proteger os mais vulneráveis, Ogum representa a esperança de uma justiça ancestral, mais rápida, mais firme, mais espiritual.
Ogum no Cotidiano: Resistência e Espiritualidade Viva
A presença de Ogum vai além dos rituais. Ele vive no cotidiano de quem luta para viver. Ele está na mãe solo que pega três ônibus por dia, no jovem periférico que sonha em ser engenheiro, no trabalhador que não se entrega ao desânimo, na ialorixá que mantém seu terreiro vivo mesmo sob ameaças.
Ogum é fé em ação. É coragem em estado bruto. Ele caminha nas ruas ao lado dos seus filhos. É com eles no tribunal, na sala de cirurgia, no canteiro de obras, no volante do ônibus, no protesto.
Importância Cultural e Política de Ogum no Brasil
Celebrar Ogum hoje é, também, afirmar a resistência das religiões afro-brasileiras diante do racismo estrutural e da intolerância religiosa. Num país onde terreiros são atacados, filhos de santo são perseguidos e Orixás são demonizados, erguer a bandeira de Ogum é um ato de coragem.
Ogum representa a tecnologia ancestral negra. Enquanto o imaginário colonial tentou pintar o negro como “primitivo”, Ogum surge como o mestre dos instrumentos, o inventor, o estrategista, o engenheiro sagrado. Reverenciar Ogum é também reivindicar o protagonismo negro na história da civilização.
Ogum É e Sempre Será
No dia 23 de abril e em todos os outros, Ogum é celebrado não apenas com velas e rezas, mas com passos firmes, escolhas justas e ações corajosas.
“Se meu pai é Ogum
Vencedor de demanda
Quando chega no Reino é
Pra saudar filho de Umbanda
Ogum, Ogum Iara
Ogum, Ogum Iara
Salve os campos de batalha
Salve as sereias do mar
Ogum, Ogum Iara
Ogum, Ogum Iara”
Ogunhê Patakori, Ogum! Salve São Jorge!
Publicado/Desenhado/Escrito por: Bruno Zagati A. S. B. C.
Siga o JP3!
Mais notícias e informações:
- O Amor em Tempos de Algoritmo: Relações Afetivas na Era dos Aplicativos
- MackTalk – Edição de Abril/2025
- Acaba de ser divulgada a Lista de Aprovados do Grupo de Pesquisa do GBIO 2025
- Adiamento da Semana Política: 70 Anos do CAJMJr
- Análise da ANPD sobre a coleta de íris em troca de criptomoedas
O Jornal Prédio 3 – JP3, fundado em 2017, é o periódico on-line dos alunos da Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie, organizado por alunos do curso e com contribuição de toda a comunidade acadêmica mackenzista. Participe!

Deixe um comentário