QUANDO O MUNDO EXIGE DEMAIS
Em corredores universitários onde o cansaço virou status e a exaustão é confundida com competência, o afeto parece ter perdido espaço. “Não tenho tempo” virou resposta automática, até para as coisas que mais exigem presença: os vínculos humanos. Numa cultura que prioriza resultados, o cuidado virou luxo — quando, na verdade, deveria ser direito e estrutura.
Este texto é um convite à pausa. Não para fuga, mas para reflexão. Afinal, o que estamos sacrificando em nome da produtividade? E por que o afeto incomoda tanto numa lógica de performance?
A CULTURA DA PRODUTIVIDADE E A ROMANTIZAÇÃO DO CANSAÇO
A ideologia neoliberal transformou o sujeito em empresa de si. Ser bem-sucedido passou a significar estar sempre ocupado, disponível e performando. No ambiente universitário, essa mentalidade é internalizada logo nos primeiros semestres: não basta estudar — é preciso publicar, se engajar, empreender, militar, estagiar, se destacar.
Essa cobrança constante resulta na chamada cultura da exaustão. O descanso é culpabilizado. O silêncio, desconfortável. O afeto, visto como distração.
Dados que preocupam:
- Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil lidera o ranking de transtornos de ansiedade na América Latina.
- Pesquisa da Fiocruz (2021) com estudantes universitários apontou que mais de 40% enfrentam sintomas graves de ansiedade e depressão.
- 52% relataram já ter pensado em abandonar o curso por esgotamento mental.
O AFETO COMO PRÁTICA POLÍTICA
A filósofa e ativista Bell Hooks afirma que o amor — enquanto escolha e ação — é profundamente político. Amar, para ela, não é romantismo ingênuo, mas resistência radical contra a cultura da dominação.
Em sua obra All About Love, Hooks escreve:
> “O amor é uma prática da liberdade. Ele exige responsabilidade, escuta, presença. E tudo isso é subversivo num mundo que nos treina para a indiferença.”
Quando jovens constroem laços reais em meio ao caos, quando priorizam a escuta em vez da resposta pronta, quando criam tempo para o outro em meio à urgência… estão, mesmo sem saber, desobedecendo uma ordem. Estão escolhendo sentir — e essa escolha, hoje, é revolucionária.
REDES DE APOIO: ONDE O AFETO SOBREVIVE
Apesar de toda pressão, o afeto resiste. Ele se reinventa nas redes de apoio entre estudantes, nos coletivos de saúde mental, nas amizades que salvam silenciosamente. Nos ombros onde se pode chorar sem medo de ser fraco.
Beatriz Ramos, estudante de psicologia e membro de um coletivo de acolhimento emocional na universidade, compartilha:
> “A gente aprende desde cedo que tem que aguentar sozinho. Mas não é assim que se vive. Quando o mundo não se importa, o carinho de uma amiga pode ser o que te segura. E isso é real demais.”
Esses espaços, muitas vezes invisibilizados, são onde a universidade se torna menos máquina e mais abrigo.
A UNIVERSIDADE ADOECE?
Sim, e principalmente, adoece de forma seletiva. Estudantes de periferia, negros, LGBTQIA+, indígenas e pessoas com deficiência enfrentam uma universidade que, além de exigente, é excludente.
Falta acolhimento, falta representatividade, faltam políticas permanentes de cuidado. Muitas vezes, o afeto que sustenta esses corpos vem de fora: dos coletivos, dos terreiros, das casas compartilhadas, da fé, da amizade, das quebradas.
Como afirma a psicóloga e pesquisadora Luciana Borges,
> “Não é só o conteúdo acadêmico que importa. É como ele é transmitido, por quem, para quem e com quais marcas de exclusão ele carrega.”
O DESAFIO DE AMAR EM TEMPOS DE ALGORITMO
A digitalização das relações também interfere em como nos afetamos. Os algoritmos moldam nosso desejo, nos prendem em ciclos de dopamina rápida e conexão superficial. Tudo é engajamento. Até o afeto vira métrica.
Mas há quem resista. Quem ainda sente. Quem escreve cartas, quem manda áudio chorando, quem senta pra ouvir com calma. Quem ama com profundidade, mesmo sem saber colocar isso num story.
CUIDAR É REVOLUCIONAR
O cuidado é ação política. Não apenas no sentido militante, mas cotidiano. Ele está no “chegou bem?”, no “comeu hoje?”, no “quer conversar?”. Pequenos gestos que sustentam mundos.
Cuidar de si e do outro é recusar a lógica que nos quer quebrados, competitivos, solitários. É criar brechas de humanidade num sistema que lucra com nossa indiferença.
AMAR COMO ENFRENTAMENTO
Em tempos sombrios, amar virou resistência. Não o amor idealizado das novelas, mas o amor como prática: firme, comprometido, vulnerável.
A universidade precisa se perguntar: para que educamos? Para quem? Com quais valores? O afeto não pode ser uma nota de rodapé. Ele precisa ser estruturado. Só assim transformaremos a educação em espaço de verdade — e não apenas de produção.
Afinal, como diria Ailton Krenak:
> “É preciso adiar o fim do mundo.”
E talvez amar, hoje, seja uma das formas mais potentes de adiar.
Escrito, Desenhado e Publicado por Bruno Z. A. S. B. de Castro
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