O TEXTO POSSUI SPOILERS!!!!!!!
Publicado em 1862 pelo famoso russo Fiodor Dostoievski, “Uma história desagradável” é um daqueles livros que nos prendem do início ao fim, seja pelo gênio inconveniente de seu protagonista ou pela curiosidade e pelo desejo de que toda aquela situação caótica acabe logo.
O PODER SUBIU À CABEÇA
Ivan Ilitch Pralínski era um funcionário público de alto escalão na Rússia que, assim como seu homônimo de ‘A Morte de Ivan Ilitch’, foi crescendo gradualmente na vida pública. Pralínski era um homem consciente de sua importância e fazia questão de deixar isso claro em todos os ambientes. A vaidade fazia parte de sua rotina e, em seu círculo social, havia disputas internas sobre quem era mais poderoso, algo comum na Rússia czarista.
Em mais um encontro de soberba, egos e bebidas, Pralínski, após passar a noite bebendo com generais e irritado pelo fato de seu motorista ter desaparecido, decidiu entrar, sem ser convidado, em uma festa de casamento de um de seus funcionários. Ciente de sua posição e status, esbanjando ‘boas intenções’, ele imaginou que a comemoração se voltaria para ele e que seria uma boa oportunidade de mostrar às ‘pessoas comuns’ como estava engajado nos avanços dos direitos dos trabalhadores, causas que passou a defender com unhas e dentes naquela mesma noite. Queria ser popular através do populismo. As boas intenções se transformaram em um desastre. Ivan queria dar ao povo – que ele odiava mortalmente – um pouco de si e de seu falso progressismo.
O NOIVO
Porfiri Pseldonímov era o funcionário e subordinado de Pralínski que, semanas antes, havia pedido permissão para realizar seu casamento e constantemente ouvia piadas envolvendo seu sobrenome diferente. Pseldonímov era considerado um trabalhador comum, sem habilidades extraordinárias, que viveu a maior parte da vida enfrentando dificuldades, as quais aumentaram quando teve que assumir a responsabilidade pela sua casa e pelo casamento. Se não bastasse ser odiado pela própria esposa, o jovem foi a maior vítima da aventura de Pralínski.
A FESTA DE CASAMENTO
Assim como um jumpscare, Pralínski se convida e surge sem mais nem menos na festa de seu funcionário. A princípio, tudo corria bem, mas essa paz terrível duraria pouco. Pralínski e Pseldonímov não possuíam uma relação íntima; eram chefe e funcionário, respectivamente. A relação deles era apenas profissional, e era assim que Pseldonímov queria que continuasse. O noivo só não sabia que os problemas estavam apenas começando.
Com a chegada do (não) convidado, todos ficaram desconcertados. Sabendo da posição de Pralínski, fizeram das tripas coração para tentar proporcionar uma experiência agradável a ele.
Tudo começa com Ivan, de forma vergonhosa, tentando ser o mais “vereador” possível, deixando os convidados (de fato) desconcertados apenas com o seu cumprimento. Com o passar do tempo, ele vai se tornando apenas mais um convidado, o que mexe com o ego dele. Ele era muito importante para ser só mais um; em sua cabeça, a presença naquela festa de casamento era tão importante que até as próximas gerações o lembram como um general bondoso e carismático, que foi à comemoração abençoá-los com sua existência e sabedoria.
INCONVENIÊNCIAS E INCONVENIÊNCIAS
À essa altura, Pralínski já não era bem-quisto nem mesmo por Pseldonímov. As pessoas o ignoravam e, como o bobo da corte que se tornara naquela noite, fazia de tudo para chamar mais e mais atenção. Por um momento, passou pela sua cabeça a ideia de ir embora, mas como pode um general, em um evento no qual não tinha autoridade alguma, ir embora assim, do nada? Para ele, isso se tratava de um sinal de fraqueza. Ele não foi convidado e não podia se desconvidar àquela altura.
Em uma posição desagradável, Pralínski resolve beber para se soltar um pouco mais. Ele se solta, mas da pior maneira possível: consegue estragar o que já estava ruim, cospe, grita e se autossabota. A cena, de tão vergonhosa, nos faz querer continuar lendo, só para passar por tudo aquilo logo.
Populista que queria ser, e imerso na própria grandeza que acreditava possuir, Pralínski não percebe que, há tempos, já havia virado motivo de piada. Resolve então se levantar para dar um discurso. A fala foi um mix de ideias vazias e falas travadas, que mais pareciam um monólogo de um político em campanha, mas sem a menor habilidade de convencer alguém.
Ao final da noite, ninguém mais sabia o que pensar. A figura de Pralínski, embora nunca tenha perdido completamente sua aura de poder, havia sido destruída naqueles minutos de humilhação pública. Sua tentativa de se inserir de forma forçada em um espaço onde não era bem-vindo, sua obsessão por se mostrar superior, seus discursos vazios e a autossabotagem que se desenrolou diante de todos os presentes transformaram-no no verdadeiro ‘anti-herói’ de sua própria história.
Como se não pudesse piorar, Pralísnki desmaia e acorda na cama dos noivos, estragando de vez a lua de mel do casal…
DEPOIS DA TEMPESTADE, A BONANÇA, MAS HÁ QUE PREÇO?
Pralínski acorda aos cuidados da mãe de Pseldonímov, uma senhora que era considerada do baixo clero pelo próprio protagonista. Ao se levantar, Pralínski se dá conta do caos que causou e, envergonhado, apenas agradece e não olha mais para trás. Entretanto, ele não se sente mal apenas por ter passado vergonha, mas sim por ter passado vergonha na frente de pessoas que ele julga inferiores.
Na semana seguinte, envergonhados, Pralínski e Pseldonímov evitam contato. No final, não se sabe se por mérito ou por culpa de Pralínski, o noivo consegue uma promoção e uma transferência para outra cidade. Ao saber da transferência de Pseldonímov, Ivan Ilitch se sente aliviado. Aliviado porque não teria mais que lidar com a vergonha de ver o homem a quem ele destruiu o casamento e aliviado porque, na cabeça dele, a sua presença na festa de casamento não foi de todo mal. Afinal, o funcionário ganhou uma promoção.
O livro termina com cada um seguindo seu caminho, mas as culpas os acompanham.
CONCLUSÃO
Como Dostoievski nos mostra, a verdadeira tragédia de Pralínski não está na sua vergonha passada em público, mas na falta de autoconhecimento. Ele nunca percebeu que seu valor não vinha de sua posição ou status social, mas de como se relacionava com os outros e consigo mesmo. Ao desconsiderar a humanidade das pessoas ao seu redor e se perder em seu próprio ego, ele acabou se afundando. E é essa perda que torna sua história realmente “desagradável” – não pelas situações embaraçosas na festa, mas pelas que se desenrolaram dentro dele.
REFERÊNCIAS:
– MARQUES, Priscila Nascimento. O dândi vaidoso de” Uma história desagradável”, de Dostoiévski: aspectos poéticos e tradutórios. Cadernos de Literatura em Tradução, n. 20, p. 339-352, 2018.
TAGLIACOZZI, Gabriel Viviani et al. A consciência nas obras de Fiódor Dostoiévski. 2019.
UNE sale histoire de Fedor Mikhaïlovitch Dostoïevski: Não há. 2000. Disponível em: https://www.critique slibres.com/i.php/vc Acesso em: 07 nov. 2024.
Pela imagem de capa, créditos à EDITORA 34.
Publicado por Felipe Barbosa Miguel da Silva
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