Aftersun: lembranças, sentimentos e pequenos momentos.

ATENÇÃO: CONTÉM SPOILERS!

Em um roteiro que entrelaça passado, presente e futuro, Sophie, uma menina de 11 anos de idade, filha de pais divorciados, viaja para a Turquia com seu pai, Calum. O que ela não esperava é que essa viagem se tornaria uma das memórias mais vívidas de sua infância e, no futuro, revelaria o lado mais humano de seu pai.

(Sarah Makharine/ A24/ reprodução)

Protagonizado por Frankie Corio e Paul Mescal, Aftersun é uma produção britânico-americana escrita e dirigida por Charlotte Wells, que levou parte de sua vida pessoal para o filme. Assim como os personagens do filme, Wells, quando adolescente, também fez uma viagem para Turquia junto de seu pai.

Assim como o cineasta Jonas Mekas, os protagonistas demonstram um interesse especial por filmar o mundo ao seu redor. Esse desejo intrínseco de preservar as memórias da viagem proporciona à Sophie do futuro uma visão mais íntima dos eventos que se desenrolam e a reconecta com suas lembranças mais distantes. Desse modo, nos faz entender tudo que aconteceu na vida da pequena e da grande Sophie.

Certo dia ao acordar, agora com 31 anos, a mesma idade que seu pai tinha à época da viagem, Sophie tem flashbacks das memórias criadas com seu pai quando ela tinha 11 anos. E a partir das memórias da pequena Sophie, o filme se desenvolve.

Calum se tornou pai aos 20 anos e, passados 10 anos, ainda parece não ter assimilado totalmente essa responsabilidade. No início do filme, ele é retratado como um homem fechado e confuso, que tenta esconder suas inseguranças para não afetar a filha.

Como pai, Calum é atencioso e carinhoso, sempre buscando agradar a pequena Sophie, mesmo enfrentando dificuldades financeiras, tal como a proposta da viagem à Turquia. À medida que a história se desenrola, começamos a descobrir seu lado mais sensível, suas dores e medos escondidos por trás da fachada que ele criou para proteger a filha. É a conhecida história do pai que mostra o seu melhor lado aos filhos, mas sofre em silêncio.

Já a pequena Sophie é uma menina curiosa e observadora, tal qual outras crianças da sua idade. Ao longo do filme, ela explora e se molda através do ambiente ao seu redor, encantando-se com o novo mundo que a viagem proporciona e decidindo experimentar cada aspecto desse universo desconhecido.

Sophie, à primeira vista, demonstra ser uma menina sensível. No entanto, ao longo do filme, conhecemos seu lado mais forte. Em vários momentos que seriam motivo de pânico para qualquer criança, ela encontra uma saída. Um exemplo disso é a cena em que seu pai desiste de cantar com ela no karaokê, apesar da vergonha de estar cercada de estranhos, Sophie decide cantar ‘Losing My Religion’ da banda R.E.M., na frente de todos. Isso mostra que, embora ela desejasse compartilhar o momento com seu pai, ela não deixaria de viver a experiência, mesmo sem a presença dele ao seu lado.

Enquanto Calum, apesar da sua pouca idade, sente-se como se estivesse no fim da vida, Sophie, durante essa viagem com o pai, começa a descobrir o que a vida tem a oferecer. A partir daí, temos o filme e seus desdobramentos.

Aftersun (2022). Créditos: Mubi.

O filme nos leva para a Turquia junto com pai e filha, vivemos tudo com eles – e sofremos tudo com eles. A Sophie criança nos faz querer sonhar novamente e descobrir o mundo. As imagens que surgem tal qual jump scares na tela transformam o filme em um espelho de nossa própria vida.

Na cena final, vivenciamos o último dia da viagem: Sophie e Calum estão dançando em uma festa ao som de “Under Pressure”, de maneira sugestiva, ao fundo. O momento é mágico tanto para os protagonistas quanto para quem assiste. Flashbacks se misturam e Sophie, agora com 31 anos, meio perdida em uma festa, encontra seu pai dançando em meio a pessoas aleatórias. Para ela, esse momento é uma luz; para quem assiste, uma interrogação. No entanto, o momento de luz dura pouco. Assim como na cena em que Calum segue sozinho, à noite, em direção ao mar agitado, a escuridão o consome.

Aftersun (2022). Créditos: Mubi.

Aftersun nos mostra que todos vivemos momentos assim; o filme retrata a relação entre pai e filha, mas em nossas vidas vivenciamos momentos que nos marcam com nossos pais, filhos, família, amigos, namorados, também experiências individuais.

A maioria desses momentos está guardada no HD do nosso cérebro, e ao acessá-lo podemos sentir algo parecido com o que Sophie sentiu ao rever as imagens de seu pai. Os sentimentos mudam: o sentimento da pequena Sophie vivendo o momento era um, o sentimento dela ao rever as imagens após a viagem era outro, e o sentimento que ela teve ao ver as imagens de seu pai já falecido foi diferente. Sem dúvidas, ao mostrar aos seus filhos como o avô deles era, trará mais uma camada de sentimentos distintos à viagem.

Assim, também, é para nós. Ao longo de nossas vidas, experimentamos as imagens do nosso HD de maneiras diferentes, com sentimentos e emoções distintas. É como degustar um bom vinho aos 10, 20 ou 30 anos: em cada fase, ele terá um sabor diferente.

Trata-se de um filme complexo e simples ao mesmo tempo. É complexo porque nos leva a refletir sobre a nossa própria vida, sobre o fato dos nossos pais, assim como nós, também estarem vivendo a vida pela primeira vez, é complexo porque nos traz um roteiro sensível, porque nos faz pensar pelo resto do dia e porque nos faz querer, despretensiosamente, talvez, abraçar nossos pais. E é simples porque se trata da vida, se trata de uma viagem entre pai e filha; se trata da filha, agora adulta, relembrando de pequenos momentos com o seu pai, é simples porque são simplesmente momentos.

A obra de Wells nos leva a refletir sobre a adolescência e a vida adulta, ajudando-nos a compreender melhor nossos pais.

Assistir a esse filme é como viver tudo aquilo na pele, é como ser Calum, é como ser Sophie, é como ser adulto e é como ser criança, tudo ao mesmo tempo.

E quanto a você? Quais são suas memórias? Quais filmagens marcaram sua vida? Quem é o seu Calum?

O filme está disponível na Netflix e no MUBI.

Confira o trailer do filme: https://www.youtube.com/watch?v=OSrkH-kEFG0&t=1s

À imagem de capa, créditos: Aftersun (2022).  Mubi.

REFERÊNCIAS:

AFTERSUN. Direção de Charlotte Wells. 2022. (102 min.), color.

DE ALMEIDA, João Pedro Fagundes; ALVARENGA, Nilson Assunção. Corporeidade e rememoração: estratégias do cinema de fluxo em Aftersun.

O poder da memória em “Aftersun”. Publicada na Mídia Ninja em 11/03/2023.

Aftersun, uma obra sobre memória. Publicada no Centro de Crítica da Mídia, PUC-MG em 24/08/2023.

Aftersun: aquele tipo de filme que fica com a gente semanas. Publicada no Café História em 27/01/2023.

Aftersun e a sensibilidade de ver os pais como humanos Leia mais em: https://bravo.abril.com.br/cinema-tv/aftersun-bafta-paul-mescal-mubi. Publicada na Bravo! Abril em 10/02/2023.

The Subtle Emotional Sorcery of ‘Aftersun’. Publicada no Stephan Joppich em 18/07/2024.

Publicado por Felipe Barbosa-Miguel e João Matheus Facundo Silva


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