Compreender a excelência do artista César MC é também entender a sua relevância social na comunidade negra, uma vez que sua presença marcante no Hip Hop e no Rap Brasileiro é bem representada e evidencia a potência que surge quando uma voz se movimenta, uma voz como a de César. O álbum, divulgado pelo artista em 2021, aborda assuntos essenciais para toda a comunidade negra, como a denúncia do racismo e da violência, a crítica à meritocracia, a valorização da cultura Hip Hop, o fortalecimento de sua ancestralidade e, principalmente, o empoderamento através da educação.
O cantor César MC é um jovem artista da cena do Rap e do Hip Hop nacional, foi o vencedor da batalha de MCs Nacional de 2017, e se envolveu em projetos musicais da produtora carioca Pineapple Storm, em participações coletâneas das canções de Poesia Acústica, na qual obteve uma atuação recorrente na #8, #9 e #14 músicas do projeto. Em 2021, lançou seu primeiro álbum com sete faixas autorais que contam com a participação de cantores como Djonga, Emicida e a cantora Jaddy, além de toda produção musical ser realizada por artistas como Tibery, Jogzz, Nave Beatz e Artioli. Dessa forma, cabe evidenciar que César MC, antes de ascender a sua carreira musical como cantor de Rap, era encantado por ciências exatas, e chegou a iniciar sua graduação em Matemática na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).
Álbum “Dai a César o que é de César “
O nome do álbum é uma referência à passagens da Bíblia Sagrada e essa não é a única citação realizada pelo cantor, esse álbum escancara uma nova perspectiva sobre a Igreja e tece críticas objetivas contra o racismo e as operações da segurança pública que resultam na morte de pessoas pelo disparo negligente de balas perdidas, o que é evidenciado na música “Antes que a Bala Perdida me ache” em parceria com artistas como Emicida e Jaddy. Nela, há um trecho muito importante que elucida as seguintes lições:
“Contar pra amenizar o luto é o preço da luta. Ainda preciso gritar, mas quem me escuta?
O bicho-papão lá fora já não me assusta
Num país onde até dentro de casa a bala te busca
….
Abolição foi só um durex na vidraça
Com bilhete sem graça dizendo que a vida continua
E meritocracia é só uma farsa
Que te faz pensar que se a janela tá quebrada
A culpa é sua. “
(Eu precisava voltar com a folhinha – César MC)
O trecho supracitado, na prática, revela a situação antagônica que a sociedade brasileira enfrenta. Desta maneira, é importante evidenciar o relatório divulgado em 2023, pelo Instituto Fogo Cruzado, o qual demonstra que entre os anos de 2016 a 2022, o estado do Rio de Janeiro, em especial a Região Metropolitana, registrou cerca de 1.000 (mil) mortes de vítimas por projéteis balísticos perdidos. Além disso, a Diretora de Dados e Transparência do Instituto destacou que 654 (seiscentas e cinquenta e quatro) das pessoas mortas durante esse período foram atingidas enquanto policiais estavam presentes no local. Nesse sentido, as músicas de César MC não se resumem em apenas rimas, mas sim a expressão de uma realidade.
O álbum Dai a César o que é de César, em sua primeira faixa, é inaugurado com a música “Eu precisava voltar com a folhinha”. Essa canção recorda a trajetória de vida do cantor e de seu encontro com as batalhas de rap. Cabe destacar que a letra da música carrega traços de sua ancestralidade e se desenvolve com tamanha sensibilidade à importância de recordar onde tudo começou. Em um dos trechos da música, diz: “A fé foi minha aposta e toda aposta às vezes frustra, a direção oposta até hoje me assusta, é que eu queria uma resposta e minha resposta foi a busca”, o que revela a César que a resposta que tanto buscava era aquela folhinha e essa referência da palavra “folhinha”, citada tanto na letra quanto no nome da música, está associada com as batalhas de rap, nas quais são anotados os nomes daqueles que participam desses eventos culturais, sendo a folhinha entregue ao vencedor depois da realização do duelo final.
Em 2021, César MC foi entrevistado pelo PodCast Podpah e contou um pouco sobre sua trajetória com a música e o processo de criação de seu primeiro álbum. Os diálogos com os entrevistadores Igão e Mítico renderam boas curiosidades sobre a trajetória do cantor até se encontrar no meio artístico do Rap. Cesar MC destaca em sua entrevista que incentiva seus fãs a estudarem, e reforça a ideia de que, na verdade, não abandonou a graduação em Matemática na universidade, mas que mudou de curso, e que sua nova graduação seria o seu encontro com as batalhas na praça do SESC e a descoberta de seu talento para rimas de freestyle.
Durante sua entrevista ao Podpah, o cantor contou que encarava seu desenvolvimento nas batalhas como uma graduação, enxergava a folhinha como uma prova da universidade que deveria passar, sentia essa obrigação por justamente estar fazendo aquilo que amava, saindo de algo que na época era palpável, como a universidade, para viver do seu sonho, sendo realista e fiel ao seu meio social.
Por sua vez, a música “Dai a César o que é de César” confronta a religiosidade, o racismo e a apropriação dos saberes e lutas da comunidade negra, a letra dessa canção carrega o empoderamento e resistência de um corpo social que busca constantemente a manutenção de Direitos Humanos e a sua dignidade. O início dessa obra é marcado pela ministração de diversos versículos da Bíblia Sagrada que podem ser encontrados nos livros de Tiago, Provérbios e Mateus sem nenhuma modificação do texto original bíblico, reforçando sua ligação com Cristo e evidenciando ser contra a religiosidade e os ciber políticos que utilizam o nome de figuras religiosas para se autopromover. Além disso, César traz referências de ativistas negros importantes para a construção do histórico racial da música, citando Rosa Parkes e Martin Luther King.
No álbum do cantor é possível encontrar outras músicas como “Neguin” em parceria com o Rapper Djonga, “Pretinha”, “Navega” e “O Boombap ¹ não morre”, que completam a extraordinária inauguração do cantor com um álbum que evidencia a presença de sua ancestralidade e resistência de todo movimento da cultura Hip Hop e Rap brasileiro.
Em virtude dos aspectos supracitados, é válido pontuar que esse álbum não é apenas significativo para César MC, mas sim para toda a comunidade negra que teve a oportunidade de conhecer esse trabalho, e para familiares e amigos que acreditaram no seu potencial desde as rimas de freestyle na Praça do SESC, em Vitória-ES. Nesse sentido, cada canção significa um grito de resistência daqueles que foram silenciados e invisibilizados pela Igreja e pelo Estado. Além disso, outra importante crítica é no que tange à filosofia da comunidade acadêmica “que romantiza e menospreza a vivência da favela roubando lugar de fala para se autopromover” contando a versão da história diante de uma perspectiva distante, como antropólogos de gabinete ².
César, em uma entrevista, compartilhou sua frase favorita: “Não há nada mais motivador do que não ter saída”. Essa frase se relaciona com a trajetória de estudantes universitários, rappers e da comunidade brasileira, que enfrentam numerosos obstáculos no cotidiano. Ela reflete a determinação e necessidade de resistir às adversidades, onde não há espaço para desistir daquilo que os mantém vivos em meio ao caos.
Portanto, o impacto do álbum Dai a César o que é de César perpassa o que a música transmite em si, tornando-se uma expressão no que tange aos movimentos de resistência da comunidade negra brasileira. O repertório cultural de César soa como um trovão, que se converteu em um instrumento de voz para aqueles que são silenciados. Sua atuação no mundo artístico inspira a juventude negra a lutar por espaços que não poderiam acessar, transformando uma geração movida pela aliança entre os seus para mudarem seu meio social. Assim, César é uma nova voz do rap nacional, que ecoa não apenas nas batalhas de rima, mas também nas batalhas diárias enfrentadas por sua comunidade.
Por Nathalia Souza Santos da Silva
¹ Boombap é um gênero musical mais antigo do Rap.
² Os antropólogos de gabinetes são estudiosos da área da antropologia que não saiam a campo para pesquisar, vivenciando e estudando apenas por cartas e relatos de viajantes.
REFERÊNCIAS
César [ES] vs Drizzy [MG] (Final) – DUELO DE MCS NACIONAL 2017, Publicado pelo Canal do YouTube Família de Rua, em 27 de novembro de 2017.
Balas perdidas: em seis anos, Grande Rio tem 1.000 vítimas.Publicado pelo Instituto Fogo Cruzado, em 10 de janeiro de 2023.
Álbum Dai a César o que é de César, publicado pela produtora Pineapple Storm, em 09 de setembro de 2021.
Entrevista de CESAR MC – Podpah #221, publicado pelo Canal do YouTube PodPah, em 08 de setembro de 2021.
Grime, drill, trap: Conheça subgêneros do rap que estão em alta, publicado no UOL, em 15 de março de 2022.
Capa do álbum “Dai a César o que é de César”, lançado em 2021.
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