O Fascínio humano por casos criminais

Na mídia contemporânea, muito se observa conteúdos audiovisuais como “Dahmer: Um canibal Americano (2022)”, “Ted Bundy: A irresistível face do mal (2019)”, “Helter Skelter (2004)” e diversas obras sobre esses e milhares de outros assassinos em série, psicopatas, sociopatas ou pessoas que cometeram crimes cruéis e ficaram conhecidas por tais atos. Não somente em filmes, mas também em séries, podcasts, músicas, livros, a espetacularização da violência é algo extremamente comum desde o séc. XX. O que se faz curioso, é refletir sobre o porquê as pessoas se atraem tanto por essas brutalidades. Como esses grandes monstros da vida real se tornam estrelas de cinema com milhares de fãs?

REAÇÕES COMPORTAMENTAIS A ESSE TIPO DE CONTEÚDO

Desde que se lembra, histórias criminais atraem a atenção da população, fazendo-se ainda mais interessantes quando são baseadas em fatos reais. Diversos especialistas trazem suas teorias sobre o tema e suas raízes, explicando que crimes sempre estiveram presentes na sociedade e assustam as pessoas. Assistir as situações que potencialmente ocorreriam na vida real, transmite a sensação não somente de que aquilo se encontra distante de você, mas também o sentimento de justiça sendo efetivada quando os criminosos são presos e/ou punidos pelo o que cometeram. Segundo a professora e pesquisadora Josy Martins, o interesse por casos criminais pode estar relacionado tanto a uma patologia, quanto a uma simples curiosidade sobre como funciona a mente dos delituosos, podendo futuramente se proteger em casos parecidos na vida cotidiana. Ademais, muitas pessoas sentem a necessidade de verem os crimes serem solucionados e ter alguém que responda pelos delitos cometidos, como a satisfação final de entender que mesmo que situações violentas aconteçam, a justiça é feita de forma eficaz.

Ainda sobre as maneiras de se protegerem, um estudo psicológico feito pela universidade de Illinois Chicago (UIC), identificou que as mulheres se interessam por mais casos criminais cometidos por homem, tomando-se a conclusão de que isso poderia estar relacionado ao fato de que assistir a esses acontecimentos, pode ajudar as mulheres a saberem como lidar e escapar desse tipo de situação.

De acordo com a psicóloga Elisa Walleska, o que sentimos ao ver um ato de violência está intrinsecamente ligado à necessidade humana de expurgação da raiva, com frustrações e mágoas acumuladas, à  necessidade de isso sair do nosso subconsciente de alguma maneira, sendo de forma saudável, como nos esportes, terapia e dedicação as artes, ou das maneiras nocivas, como a violência física e verbal. Mais do que cometer os atos, Elisa diz que assistir a cenas de expurgação serve também como uma forma de expressar a violência que está dentro de nós, mesmo que de forma intrínseca, da mesma maneira de que ver e ouvir sons da natureza, com belas paisagens e lugares paradisíacos nos trazem o sentimento de paz e relaxamento, mesmo que não estejamos de fato na viagem e locais assistidos. “A satisfação que a gente não faz em ato, substitui em fantasia. A manifestação é através da nossa própria satisfação individual, que a gente cria em sonhos, por exemplo, e em objetos da cultura. Por isso que a gente se interessa por coisas que a gente não faz. Tem algo de uma satisfação que não foi permitido porque você está submetido à lei. A figura do assassino é emblemática porque é alguém que não se submeteu às leis como eu me submeti”, explica Elisa.

Além da análise da psicoterapeuta, o psicanalista Luiz Felipe Monteiro argumenta que tudo aquilo que foge do padrão, gera no ser humano uma curiosidade.

ENTRETENIMENTO OU NORMALIZAÇÃO?

Um debate semelhante ao das obras cinematográficas, é o do mundo dos videogames. Desde que entraram no cotidiano dos jovens, até os dias atuais, os games que se tratam  de assassinatos, roubos, lutas e até mesmo guerras, atraem o público para o seu uso e preocupam os pais e responsáveis sobre o tipo de conteúdo que seus filhos estão consumindo. Ainda, de acordo com a especialista Elisa, essas cenas de violência proporcionam estímulos ativadores do nosso sistema neurológico diretamente ligado às emoções. Quando nos expomos a esse conteúdo, o cérebro não entende que se trata de um jogo ou de um filme, mas quando tomamos consciência de que aquilo não é real, controlamos o medo de forma que crianças não têm facilidade e tal raciocínio.

Quando pensamos na normalização desse tipo de conteúdo, deve-se pensar sobre como refletimos a partir dele e o meio em que estamos. Dito isso, tendo em vista que no Brasil, os jornais televisivos ao longo de todo o dia passam situações brutais, de forma que aquilo acaba se tornando algo comum no subconsciente humano, tornando-se até mesmo uma forma de entretenimento pelo hábito de não se chocar com algo que ocorre corriqueiramente.

CASO CONCRETO: O MANÍACO DO PARQUE

Francisco de Assis Pereira, conhecido popularmente como “Maníaco do Parque”, foi um assassino em série brasileiro, que durante os anos 90 matava e estuprava suas vítimas brutalmente no Parque do Estado (Zona Sudeste de São Paulo), o que gerou o apelido do assassino.

Apesar de seus crimes desumanos e comportamento repudiados pela sociedade, o indivíduo recebeu mais de 1000 cartas de amor durante sua prisão (que totaliza mais de 250 anos), como nos exemplos abaixo:

“Por enquanto, nossos beijos são assim. Mas quero te beijar de verdade. Acho que tens saudades. Eu te amo, te amo, te amo etc., te desejo, te quero de corpo e alma. E me perdoe por tudo que estou sofrendo. Sabe Francis, eu não me conformo, e choro. E eu preciso ser forte (…)“

“Quero te dizer que estou morrendo de saudade, querendo você… Aih meu Deus como te desejo todas as noites. Eu durmo sozinha e querendo você aqui. Mas sei que é impossível. O certo é eu ir te ver. E como posso sentir. Que é meu?”

“Francisco, não deixe a tristeza tomar conta de você e acabar com o brilho do seu olhar. Acredite em Deus, você não está e nunca ficará sozinho. Jesus te ama, sua mãe e seu pai também e, principalmente, eu…

O Livro “Loucas de Amor: mulheres que amam serial killers e criminosos sexuais” (2008), de Gilmar Rodrigues, tenta entender esse desejo por alguém que causou tamanho mal a tantas mulheres.

Em sua obra, o autor explica que esse desejo pode estar atrelado a traumas de infância, como falta de afetividade ou relacionamentos tóxicos, considerando as cartas infantilizadas com desenhos e flores enviadas. Com esses antigos traumas, essas mulheres se sentem extremamente desvalorizadas e, imaginando que são capazes de melhorar a personalidade desse sujeito, acreditam que só assim sua existência teria alguma relevância, adquirindo como propósito a mudança na vida do delinquente. Além deste sentimento, a falta de personalidade dessas mulheres  fazem com que se sintam reconhecidas quando interligadas a um criminoso famoso, sendo melhor ser “a mulher do maníaco” do que não ser ninguém. Além disso, sua pesquisa em torno dessas mulheres registrou um grande contingente de personalidades carentes e de baixa autoestima.

Por fim, percebe-se que esse fascínio pode estar interligado a diversos fatores de personalidade e circunstâncias, podendo intercalar entre algo natural e doentio.

Referências:

Estudo explica porque muitas pessoas tem obsessão por conteúdo de crimes reais. Publicado por BandaB, em 5 de agosto de 2022.

Por que histórias sobre crimes nos atraem tanto?. Publicado por Correio*, atualizado em 20 de abril de 2023.

Jogar games violentos não deixa as crianças mais agressivas na vida real, diz estudo. Publicado por O Globo, em 22 de julho de 2020.

Loucas de amor explica a atração por criminosos. Publicado por R7, em 30 de novembro de 2014.

Publicado por Giovanna Oliveira Cordeiro


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