Admirável Mundo Novo

O romance Admirável Mundo Novo, publicado em 1932 no Reino Unido, e traduzido por Vidal Oliveira em 1941, é essencial no que se diz respeito ao entendimento humano do ponto de vista sociológico. Escrito por Aldous Huxley – escritor britânico nascido em 26 de julho de 1894 e criado em um ambiente cercado de vasta elite intelectual – responsável pela publicação de  muitas obras de sucesso, como “A ilha” (1962) e “As portas da percepção” (1954), durante sua vida, teve contato com alucinógenos e após um tempo de ter sido diagnosticado com um câncer na laringe, desejou até que lhe fosse injetado diversas doses de LSD. Veio a falecer no dia 22 de novembro de 1963, curiosamente, mesmo dia que John F. Kennedy e Clive Staples Lewis faleceram. 

A obra traz uma realidade futurista, no ano de 2540, ou, como retratado no livro, ano 632 d.F. (depois de Ford, pai da linha de produção fabril) em Londres, onde as pessoas são, desde seus embriões, separadas em castas. Essas castas, por sua vez, diferenciam as pessoas de mais a menos desenvolvidas, como na casta Alfa, na qual temos pessoas de alta estatura e grande capacidade de aprendizagem, enquanto na casta Ípsilon, temos pessoas de poucas possibilidades de lazer e baixa capacidade de aprendizagem – características essas que se determinam desde o feto, com o processo de “bokanovskização”, que consiste em uma série de interrupções no desenvolvimento do embrião. 

O próprio nome do livro “Admirável Mundo Novo” faz referência a peça de Shakespeare “A Tempestade”, o que paradoxalmente também é muito criticado nessa sociedade, a literatura, tudo aquilo que é antigo e leva alguém a refletir e pensar é completamente proibido pelo estado, esse que, por sua vez, se interessa pelo lazer e conforto que gera lucro. A felicidade é a maior preocupação desse estado, levando em conta sempre a comunidade, uma vez que nada nesse novo mundo se atinge sozinho. É louvável relatar que o sistema vigente na sociedade descrita entende como chave para a felicidade e ordem social, a estabilidade, novamente fazendo referência a Henry Ford, onde o que sai da métrica pré estipulada da linha de produção é desarmônico, para tal, a identidade designada a cada um deve ser seguida estritamente.

Caso um indivíduo não se sentisse bem ou satisfeito o suficiente com a sua vida, o sistema achava a solução por meio do “Soma”, uma droga com efeitos parecidos com as drogas existentes em nossa sociedade (como o próprio livro retrata), mas sem seus malefícios – o Soma é, portanto, uma fuga da realidade para a tranquilidade e alegria. Vê-se, o fenômeno social da ditadura da felicidade, na qual o indivíduo é condicionado e obrigado a se dar por satisfeito com a vida que possui, tanto por meio de seu condicionamento, quanto pelo Soma. Por outro lado, caso o indivíduo não se contentasse com nenhum dos dois, era considerado um selvagem, excluído daquela sociedade por não se encaixar nos padrões, uma forma radicalizada e explícita da sociedade padronizada. 

O cristianismo e qualquer religião também é abolida e ridicularizada, considerada fraca e algo que as pessoas precisavam por temer a morte, a qual nessa sociedade, é condicionada nas crianças desde pequenas como algo natural e não maléfico. Aboliram as práticas religiosas também, pelo fato delas pregarem o amor e a família, termos quase proibidos de serem mencionados nessa sociedade. A família não existia, pois os indivíduos nasciam por meio de máquinas e não de mães, o que nessa realidade também é proibido e condicionado nas mulheres. O amor, por sua vez, gera instabilidade, desequilíbrio, tristeza e ciúmes – o que, nesse governo, não existe, sendo assim necessário o desapego às pessoas, com o lema “Todos pertencem a todos”. Pregando sempre a poligamia e instigação sexual desde a infância, pois o sexo para eles é só uma forma de prazer, sem relação a valores religiosos, familiares e morais. Quando não se falta nada da vida daquele indivíduo, sua vida é rodeada de coisas que o satisfazem e correm nos eixos, ele não precisa de um herói que o salve, de um deus misericordioso, pois esses são necessários quando se há desordem social, política e econômica, entretanto, em uma sociedade tão organizada como a retratada no livro, não havia sentido na existência de um herói, símbolo de misericórdia ou em um destaque individual que representasse aquelas pessoas.

Sob outra perspectiva, mesmo com esse sistema aparentemente perfeito, em que todos vivem em harmonia e satisfação, existem os habitantes de Malpais, considerados selvagens e não civilizados, os quais vivem afastados da sociedade e de forma precária, porém, com nossos costumes e valores, como família, religião, monogamia e individualismo. 

Na realidade onde todos estão aparentemente satisfeitos, encontramos o personagem Bernard Marx, um indivíduo Alfa menos que se sente sozinho, mesmo vivendo em coletivo e com diversas parceiras sexuais, ele sente que falta algo especial em sua vida. Quando se apaixona por Lenina Crowne, se dá conta de que não se encaixa tanto assim naquele meio, sendo considerado louco por aqueles que o conheciam.

No transcorrer do cenário distópico, Bernard e Lenina recebem a permissão para visitar uma reserva selvagem, na qual conhecem John, filho de uma Beta Menos que, por engravidar, é abandonada em Malpais e passa a criar seu filho lá. John não é como os demais de sua convivência, pois é fascinado por literatura e pela cultura erudita, o que faz com que ele se sinta só. A parceria entre Bernard e John vai se estremecendo pelo desejo dos dois em Lenina e pela atenção que o selvagem ganha quando chega na civilização, que Bernard nunca ganhara. Isso nos mostra como de fato, o amor e afeto geram instabilidade na vida até dos fetos mais bem condicionados.

A meritocracia se mostra algo muito valorizado pelo selvagem e em sua comunidade, que se surpreende no Novo Mundo quando percebe que a mesma não é presente na vida dos cidadãos, já que a meritocracia vem também relacionada à ascensão social, o que não existe nessa civilização.

O mesmo selvagem se põe a foco na verdade, em busca dela e de justiça, e quando se dá conta de que a verdade não caminha de mãos dadas com a felicidade, percebe que foi derrotado pelo Estado. Foi uma luta perdida desde o começo, pois lutou sozinho. John quis mudar aquela realidade com as próprias mãos e somente elas, o que no próprio livro fica claro de que nada se consegue sozinho. Sua derrota condicionada no momento em que ele cedeu aos prazeres canais, reflete o quanto não importa a luta que travasse ou o que defendia, o ser humano sempre irá ceder àquilo que lhe dá prazer e felicidade, de acordo com as premissas da obra. Isso reflete muito no pensamento Freudiano, grande símbolo do livro ao lado de Henry Ford, Freud por seus ideais psicológicos e Ford por seus ideais capitalistas e modelos de produção, são citados como divinos no livro, tanta divindade a de Ford, que os anos se contam depois dele, não depois e antes de Cristo como funciona nossa sociedade moderna.

É formidável pensar em como Aldous Huxley, no cenário de 1931, já enxergava o que culminaria nos processos e métodos da contemporânea sociedade capitalista, com naturalidade. Até a questão monogâmica, que ainda é fortemente presente, vem sendo cada vez mais discutida, assim como métodos de aprendizagem e uma sociedade mais preocupada com o consumo material do que o consumo espiritual, que alimenta a alma e não as contas bancárias.

Obra de fortes reflexões sobre nossa contribuição ao governo, que busca cada vez mais se tornar como o do livro, e sobre coisas tão automáticas da vida, que de certa forma nem pensamos o que seria da humanidade sem elas, como a família, o afeto de poder se apaixonar, poder sentir o cheiro das flores de um campo, independentemente de sua condição financeira ou social, poder ler um livro e adquirir conhecimento. Pense ter medo e aflição pela leitura antes mesmo de você saber o que ela é, não ter as coisas simples da vida que muitas vezes desprezamos e não valorizamos, e até mesmo, se nos rebelaríamos ou adaptaríamos a um sistema como esse. 

Outrossim, um dilema dessa obra é a ascensão social e destaque de um indivíduo. Se torna um dilema, pois em nossa atual sociedade capitalista, a maioria das pessoas preza pela ascensão social, só que para a mesma existir, essa pessoa precisa estar em um meio ruim ou precário para ser destacado como algo positivo. Se todos fossem bons e corretos, não existiria a necessidade de destaque socioeconômico, pois todas as pessoas já teriam atingido o padrão de idealização. Mas, então, o que seria o ideal? Um governo autoritário que te obriga a ser feliz, ou a liberdade de escolha? Mesmo sabendo que se alguém se destaca, é porque o padrão não é satisfatório. 

A felicidade é algo plenamente individual, é muito distante a ideia de que todos os indivíduos seriam completamente felizes vivendo sob as mesmas regras, deveres e prazeres. Vemos isso em Bernard e John, que lutam pela liberdade, uma vez que não se sentem plenamente satisfeitos com suas vidas. A felicidade daquela sociedade é baseada no consumo e desejos carnais, o que, no ponto de vista deles, é o necessário para ser feliz e são condicionados para isso, enquanto em nossa realidade, o consumo e os prazeres são estimulados, mas quando um indivíduo os coloca em prioridade, é considerado imoral e sem sentimentos. Seria então toda essa sociedade imoral e ilesa de sentimentos? Ou elas teriam achado o padrão mais aproximado de uma felicidade estável? Os panoramas sociais nos afastam do que é essencial e puramente prazeroso, e nos aproxima de um “Novo Mundo” outrora estável por seu auto controle sobre o indivíduo, mas sem hombridade de admiração sobre uma ótica do livre arbítrio e o senso de individualidade.

Publicado por Giovanna Oliveira Cordeiro


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