Pesquisando virtuosamente: o papel das virtudes intelectuais na pesquisa jurídica (Parte 4)

Por Carlos Roberto Parra

Chegamos, enfim, ao último texto de nossa série sobre virtudes intelectuais. Até aqui, aprendemos que virtudes são características adquiridas através da prática habitual a fim de alcançar determinados bens louváveis, quais são os bens epistêmicos objetivados pelas virtudes intelectuais e quais são algumas dessas virtudes, a saber, a curiosidade, a humildade intelectual, a autonomia intelectual, a atenção, a diligência e o rigor intelectuais. Seguindo, portanto, a lista desenvolvida por Jason Baehr que até aqui nos tem servido de guia, hoje finalizaremos o estudo das virtudes intelectuais tratando daquelas que são necessárias para lidar com desafios. Não é novidade alguma que desafios existem na pesquisa jurídica e que não são poucos, mas uma boa compreensão (e sobretudo a prática) das virtudes pode ser de preciosa ajuda para a superação dos obstáculos.

Mente-aberta

Sendo assim, o desenvolvimento de uma mente-aberta é fundamental. É necessário, portanto, relembrar uma frase atribuída a G.K. Chesterton: “não seja tão mente-aberta que seus miolos caiam para fora”. A virtude em questão é passível de uma má interpretação de quem não está habituado com o tema justamente por conta do amplo uso da expressão “mente-aberta” por aí. Há quem entenda que ser mente-aberta consista em ser totalmente progressista, usar drogas e desconstruir toda e qualquer coisa. Há ainda quem acredite que ser mente-aberta seja não ter opiniões próprias, não acreditar em verdades absolutas ou simplesmente validar todo e qualquer discurso que lhe seja apresentado sem qualquer distinção. Do ponto de vista da epistemologia das virtudes, essas definições não poderiam estar mais distantes da verdade. Como vimos no primeiro texto, a virtude reside justamente na mediedade da maneira que o sábio determinaria, ou seja, a virtude reside no equilíbrio, na moderação.

Ser mente-aberta, na definição de Jason Baehr, é “uma habilidade de pensar fora da caixa. Dar ouvidos de maneira justa e honesta a perspectivas concorrentes.” Ou seja, é ter a capacidade de se colocar na posição daqueles que sustentam pensamentos diferentes, seja em um trabalho em grupo ou ao estudar uma corrente contrária a que sustenta sua hipótese na pesquisa, sem permitir que seus preconceitos criem uma barreira intransponível sem sequer analisar os méritos. Isso não significa que você vai sair por aí aceitando qualquer teoria que te mostrarem, antes, significa que você vai se aproximar delas de maneira honesta e fazer um julgamento justo daquilo que lhe é apresentado. É encontrar aquele paper que parece contradizer tudo o que você pesquisou até agora e, ao invés de ignorar sua existência, levar em conta suas críticas e, quem sabe, apropriar-se delas para até mesmo uma defesa mais sólida do que já vinha sendo construído. Ou também de um abandono da hipótese anterior em direção a uma que se aproxime mais da verdade. Ser mente-aberta é menos sobre ser um hippie e mais sobre ser honesto.

Coragem Intelectual

Acredito que coragem seja uma das primeiras virtudes que vêm à mente quando se fala no assunto em um aspecto geral. Na literatura, no cinema, na história e em muitos outros campos costumamos enaltecer figuras corajosas. Pessoas que tiveram a coragem de ir à guerra, pessoas que tiveram a coragem de parar uma guerra, pessoas que tiveram a coragem de se levantar quando todos permaneceram calados, pessoas que tiveram coragem de se arriscar em um novo ramo do mercado com imensas chances de falhar. Coragem é uma virtude que pode ser aplicada aos mais diversos campos de ação, com a finalidade de alcançar os mais diversos bens. Ao se falar de coragem intelectual, todavia, pode ser um pouco difícil imaginar a mecânica por trás, sobretudo pela visão, ainda existente, do intelectual como alguém trancafiado em seu quarto e rodeado de livros (a cena que você veria se me observasse escrevendo neste momento), mas nós já vimos que a vida intelectual vai muito além disso. Envolve a vida toda. Coragem é fundamental para a intelectualidade.

Imagine, por exemplo, que você apareça com um problema de pesquisa muito polêmico. Problemas vão aparecer. Pode ser que você não encontre um orientador (eu mesmo tenho um amigo de Letras que vem há muito tempo caçando um orientador que tope falar sobre o tema que ele propõe), pode ser que os revisores não escondam seus preconceitos na hora de avaliar seu projeto de pesquisa ou até mesmo que a banca seja hostil ao tema. São muitas as possibilidades, mas é uma a solução: coragem. Vale lembrar que a coragem virtuosa não se confunde com a imprudência ou com a impulsividade. Fazer as coisas sem calcular riscos não é virtuoso. Dirigir em alta velocidade enquanto mexe no celular não é coragem, é burrice. Da mesma maneira, investir em uma pesquisa polêmica só pra “lacrar” não é coragem.

Tenacidade Intelectual

Segundo a definição de Jason Baehr, tenacidade intelectual é “a disposição a abraçar desafios intelectuais e dificuldades.” Em alguns jogos, tenacidade é o nome do atributo que diminui o efeito de magias que limitam os movimentos, pode parecer meio bobo se você não liga pra isso, mas, a meu ver, é um bom exemplo. A tenacidade intelectual é justamente a virtude que diminui os efeitos daquelas dificuldades que vêm para empacar a pesquisa, por exemplo. É a disposição a não fugir desses problemas, mas encará-los de frente e buscar soluções que permitam superá-los.

Na definição de Desidério Murcho, a virtude consiste em “enfrentar activamente os desafios e não deixar de tentar ser bem sucedido.” Tenacidade envolve tanto esforço quanto criatividade. É um exercício de analisar a situação e perceber as formas mais práticas e inteligentes de superar os obstáculos presentes.

Conclusão

Durante essas quatro semanas, pudemos estudar um pouco a respeito das virtudes intelectuais, aplicando, ainda, o tema à área da pesquisa jurídica. É claro que há sempre muito mais a se conhecer – e a própria epistemologia das virtudes nos diz que há sempre mais. Espero que os textos sejam de ajuda não apenas para inspirar aqueles que não têm interesse na pesquisa, mas também para dar ferramentas aos que estão iniciando e novos insights para os que já estão nesse mundo.

Além disso, vale ressaltar que o cultivo de uma vida virtuosa não se presta apenas à pesquisa jurídica ou à vida na universidade, antes, propicia uma visão holística da vida e dá meios para o alcance da sabedoria, que não se restringe a campos do conhecimento. Ser sábio é viver bem e ajudar outros a viverem tão bem quanto. Pesquisemos, então, com curiosidade, com atenção, com mente-aberta. Enfim, esquisemos virtuosamente.

Referências Bibliográficas

Postado por Carlos Roberto Parra


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Um comentário em “Pesquisando virtuosamente: o papel das virtudes intelectuais na pesquisa jurídica (Parte 4)

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  1. muito bacana! recomendo os escritos de Jules Payot sobre o trabalho intelectual e as virtudes e vícios a ela relacionados!

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